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O mecanismo que limpa as proteínas do corpo.

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O mecanismo que limpa as proteínas do corpo. Empty O mecanismo que limpa as proteínas do corpo.

Mensagem  HenriqueR Sex Jun 29, 2012 12:36 am

Quando o Dr. Avram Hershko, de 74 anos, bioquímico do Instituto de Tecnologia Technion-Israel, em Haifa, e vencedor do Prêmio Nobel em Química de 2004, foi convidado recentemente a dizer qual foi o fato mais importante de sua vida, respondeu: "O fato de que amo meus três netos.
Quando o Dr. Avram Hershko, de 74 anos, bioquímico do Instituto de Tecnologia Technion-Israel, em Haifa, e vencedor do Prêmio Nobel em Química de 2004, foi convidado recentemente a dizer qual foi o fato mais importante de sua vida, respondeu: "O fato de que amo meus três netos. Dois ou três dias por semana, eu os levo à aula de dança, para praticar esportes e à escola. Sou totalmente presente na vida deles".

Entre os cientistas mais renomados, as respostas para essa pergunta poderiam muito bem se concentrar nos prêmios conquistados ou na importância de sua pesquisa. Para o Dr. Hershko, cuja família foi separada e enviada para fazer trabalhos forçados na Segunda Guerra Mundial, a vida familiar supera as realizações mundanas.

No entanto, as contribuições científicas do Dr. Hershko são notáveis. Sua descoberta de como células específicas destroem e eliminam proteínas com mau funcionamento é uma parte crucial das iniciativas que buscam esclarecer os mistérios do câncer e das doenças neurodegenerativas.

Conversei com o Dr. Hershko quando ele visitou Nova York neste segundo trimestre. Segue uma versão condensada e editada da conversa.

P.: Como a maneira com que as proteínas são degradadas dentro das células – o tema pelo qual você ganhou o Prêmio Nobel – se transformou no trabalho da sua vida?

R.: Esbarrei nesse tema por acidente em 1969. Na época, eu era um jovem bioquímico israelense que tinha recebido uma bolsa para fazer pós-doutorado com o Dr. Gordon Tomkins, da Universidade da Califórnia, em São Francisco. Antes da minha viagem aos Estados Unidos, eu me correspondi com o Dr. Tomkins sobre estudar a forma como as proteínas são formadas nas células. Mas quando cheguei, descobri que ele já tinha 25 pós-doutorandos estudando isso. O campo me pareceu superlotado. "Posso fazer algo diferente?", perguntei. "Por que você não estuda o oposto?", sugeriu ele.

Assim, corri para a biblioteca. Havia centenas de artigos sobre a formação de proteínas e quase nenhum sobre a degradação de proteínas. Era evidente que a degradação das proteínas era importante. Também era óbvio que ninguém se importava muito com ela. Logo, o território era perfeito para um cientista jovem e curioso.
P.: Por que exatamente a degradação de proteínas é importante?

R.: Porque as proteínas são importantes. As proteínas são as máquinas que colocam em prática as instruções passadas pelos genes. Elas devem ser formadas em um determinado momento e destruídas quando não são mais necessárias ou quando funcionam mal. Pense em uma célula como algo parecido com uma orquestra, com milhares de músicos. Eles são as proteínas. Eles devem trabalhar juntos em harmonia e tocar os instrumentos no momento certo.

Talvez você já tenha ouvido a respeito do mal de Parkinson e do mal de Alzheimer. No caso dessas doenças, proteínas em mau funcionamento se acumulam e destroem células no cérebro. A razão pela qual nós não temos a doença de Alzheimer aos 10 anos de idade é o fato de que quando somos jovens, as proteínas em mau funcionamento são eliminadas rapidamente. Com a idade, os mecanismos celulares podem perder a capacidade de fazer isso.

P.: Como uma célula sabe quando eliminar uma proteína?

R.: Há um sistema de marcação. Cada célula tem dentro de si uma proteína especial que está em toda parte: a ubiquitina. Entre milhares de proteínas, a ubiquitina é aquela que marca as que estão danificadas e em mau funcionamento, liga-se a elas e cria uma "sentença de morte" molecular até que elas sejam seccionadas e degradadas.

P.: Você descobriu a ubiquitina?

R.: Já se sabia da existência dela, mas não se conhecia a sua função. Desde os anos 1970, minha pesquisa tem focado nela. De um modo muito parecido com como os relojoeiros buscam compreender os mecanismos de um relógio, meu então aluno de graduação Aaron Ciechanover (que dividiu o Prêmio Nobel com um pesquisador americano, Irwin Rose) e eu decompusemos células abertas e descobrimos como as várias partes delas funcionavam.

Compreender o sistema da ubiquitina levou algum tempo. Em 1980, conseguimos descrever esse processo de marcação. Após termos feito isso, eu me interessei por como as células se dividem, porque isso é importante para entender o câncer.

Mais tarde, entendi que uma das funções da ubiquitina é a de servir como um freio dentro da célula. Quando a pessoa tem câncer, a divisão celular pode ser algo parecido como um carro fora de controle, com o pedal do freio quebrado. Existem oncoproteínas no corpo que estimulam a divisão celular. Em uma célula que funciona corretamente, a ubiquitina marca as oncoproteínas para que a degradação seja realizada. Quando isso não acontece, as células se dividem descontroladamente – e ocorre o câncer.
P.: Por muito tempo se pensou que sua pesquisa deveria levar à elaboração de uma nova classe de drogas contra o câncer e doenças neurodegenerativas. Isso já aconteceu?

R.: Existe, no momento, apenas um medicamento baseado na nossa descoberta, o Velcade, que é muito eficaz contra uma doença terrível, o mieloma múltiplo. Eu diria que 60 a 70 por cento das pessoas que o tomam obtêm remissões excelentes. Ele não é uma cura. As pessoas podem viver vários anos a mais de uma vida de boa qualidade. E isso é bastante significativo no caso de uma doença que costumava ser fatal.

P.: Você vem de uma família de médicos?

R.: De professores. Meus pais eram professores em Karcag, na Hungria. Quando eu tinha 6 anos, a maioria dos judeus da cidade foi enviada para Auschwitz. Devido a uma série de eventos aleatórios, minha mãe, irmão, avós paternos e eu fomos colocados em um trem para um campo de trabalho na Áustria. Lá nós trabalhamos nos campos, mas minha mãe sempre tentou criar um microcosmos para nós, como se as coisas fossem quase normais.

Após a guerra, nós seguimos para Karcag a pé durante a maior parte do caminho. Nós não tínhamos ideia de onde meu pai estava. Em uma noite de 1946, ele reapareceu. Ele tinha sido levado para fazer trabalhos forçados, primeiro pelos nazistas húngaros e depois pelos soviéticos. Ele chegou tarde da noite e bateu na janela do meu avô, que o levantou pela janela, gritando: "Eles estão vivos! Eles estão vivos!". Meu pai, mais tarde, começou a dar aulas na escola judaica de Budapeste. Em seguida, os comunistas chegaram ao poder. Em 1950, imigramos para Jerusalém, onde ele se tornou um professor querido mais uma vez.

P.: A sua infância marcou você?

R.: Eu não tenho como me psicanalisar. Eu definitivamente sentia uma motivação para fazer algo com a minha vida, para ajudar os outros, para tornar o mundo melhor. Isso representa alguma coisa. Passei por uma experiência ruim. Eu sabia que era feliz e sabia que minha família teve sorte. Algumas partes da minha família não tiveram. Eu quase nunca falo sobre isso. Mesmo quando os meus filhos me perguntam, eu não falo muito.
P.: Vamos voltar para a ciência. É verdade que todo dia você faz uma nova experiência no seu laboratório?

R.: Sim, é verdade. Gosto do trabalho na bancada do laboratório. E continuo deliberadamente com um laboratório pequeno, porque quero ter tempo suficiente para isso. Isso é muito raro. Quando as pessoas se tornam pesquisadores renomados, elas delegam esse trabalho para os alunos de pós-graduação.

E, no entanto, as experiências que nós mesmos realizamos são muito melhores do que as que pedimos que os alunos façam. Dá para ver todos os pequenos detalhes.

P.: No que você tem trabalhando desde o Nobel?

R.: Eu continuo a estudar o sistema da ubiquitina, fazendo uma pergunta muito difícil: como ele controla a forma como os cromossomos se dividem durante a divisão celular? Cada célula nova tem 46 cromossomos e o sistema de ubiquitina está envolvido nisso. Se o número de cromossomos não estiver correto, algo ruim está acontecendo. As células cancerígenas geralmente não têm o número certo de cromossomos. No caso da síndrome de Down, existem 47. Nós temos que entender como funciona esse mecanismo.

P.: Você profere palestras para jovens cientistas frequentemente. O que você diz a eles?

R.: Digo a eles que não sigam as correntes principais na escolha de um tema de pesquisa. Além disso, digo que se fizerem uma descoberta inesperada, não devem ignorá-la. As descobertas casuais são, por vezes, as mais importantes.

Outra coisa: se o seu orientador não for bom, não fique com ele. Nos grandes laboratórios, às vezes o orientador não sabe muito a respeito das atividades dos orientandos. Isso não é um orientador. Temos que aprender como a investigação científica funciona com bons pesquisadores. Eu tive essa oportunidade e tento transmiti-la para meus alunos.
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